ENDECHAS (*) A BÁRBARA ESCRAVA
(influência do platonismo
petrarquista)
A üa cativa com quem
andava d´amores na Índia chamada bárbora
Aquela
cativa,
que me tem
cativo,
porque nela vivo
porque nela vivo
já não quer
que viva.
Eu nunca vi rosa,
Eu nunca vi rosa,
em suaves
molhos,
que para meus olhos
que para meus olhos
fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
nem no céu estrelas,
me parecem belas
me parecem belas
como os
meus amores.
Rosto singular,
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
pretos e cansados,
mas não de matar.
üa graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
perde opinião
que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão
Leda mansidão
que o siso acompanha:
bem parece estranha,
bem parece estranha,
mas bárbora não.
Presença serena,
que a tormenta amansa;
nela enfim descansa
nela enfim descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
Esta é a cativa
que me tem cativo,
e, pois nela vivo,
e, pois nela vivo,
é força que viva.
Luís de Camões
Endechas (*)
- redondilha menor
Pensa-se que este texto, caracterizado pelos queixumes do
coração, fará referência a um amor que Camões terá tido na Índia.
O poeta canta a formosura de uma mulher de cor, preta,
fugindo às normas clássicas. Esta situação é possível dada a liberdade temática
deste género de composições mas impossível de concretizar num soneto.
O poema inicia-se com o pronome demonstrativo “Aquela”, como
se se pretendesse marcar a distância existente entre este “eu” e a mulher. De seguida, e através de um trocadilho entre o nome “cativa”
e a forma verbal do verbo cativar no
Presente do Indicativo, “cativo”, o sujeito poético explica que aquela mulher, cativa
(ou presa) socialmente e uma vez que se trata de uma escrava, mantém-no preso a
ela, afetivamente; e acrescenta que vive
por ela embora ela não o deseje.
Após este momento de explicitação da sua relação com
aquela escrava, o sujeito poético passa a descrever a mulher, elogiando-a à
medida que faz o seu retrato enquanto enumera as suas qualidades. Neste processo
utiliza a negação, a comparação e a adjetivação. Nesta descrição há um claro exagero –
hipérbole - no sentido de realçar a
superioridade desta mulher. Assim, ela é mais bela do que…, possuidora de um
rosto único, que se encontra fora dos padrões habituais, de olhos que, sendo o
espelho da alma, se caracterizam como sossegados, numa serenidade
própria da mulher camoniana mas opondo-se ao mesmo modelo por serem pretos. Ainda
relativamente ao olhar, diz o eu poético que não é sedutor ou que inspire
paixões.
Na terceira volta e através de uma antítese, surge-nos
mais uma vez a ideia da escrava que é senhora de quem a tem presa: para ser senhora / de quem é cativa, tornando visível o
poder que esta mulher exerce sobre o poeta quer sentimental quer
psicologicamente e apesar do seu estatuto social, cativa.
De seguida, ao descrever os cabelos da cativa, contraria a
beleza dos cabelos loiros, símbolo clássico, realçando os pretos dela. Já no
final da volta, afirma que embora ela seja estranha não é incivilizada ou “bárbora”.
Na 5ª volta, através de uma antítese, o eu poético refere
que a sua amada é capaz de acalmar a tormenta e, em jeito conclusivo, “enfim”,
o poeta descreve-a como fonte de inspiração poética - nela enfim descansa / toda a minha pena – uma vez que “pena” sugere
a própria escrita.
Após a apresentação e descrição de Bárbora, o poeta
refere-se-lhe com o demonstrativo “Esta”
sugerindo uma aproximação, como se ela fizesse agora parte do cenário do eu
poético e do próprio leitor. Como se, durante uma filmagem, o zoom fosse aproximando a imagem da mulher, gradualmente,
ao ponto de a podermos conhecer totalmente.
O poeta conclui, afirmando o quanto esta mulher é parte
integrante da sua vida e que por ela deve continuar a viver.
No retrato físico e psicológico sobressaem a mansidão, o
sossego, a calma e a doçura. Bem à maneira de Petrarca, o mais importante é o
retrato espiritual o qual possui um maior peso no conjunto das características
desta mulher, aqui evidenciadas. É ela quem cativou o eu poético o qual o
afirma, em detrimento do modelo clássico de mulher ideal.
Formalmente, estamos perante uma composição composta por
5 oitavas, em redondilha menor, possuindo rimas interpoladas e emparelhadas, interpoladas
em A e C e emparelhadas em B e D: ABBA
/ CDDC.
ainda a análise estilística...
hipérbole - num elogio à beleza da amada
que a neve lhe jura / que trocara a cor.
metáfora - exaltação à beleza da amada
Nem no campo flores, / nem no céu estrelas,
personificação
que a neve lhe jura / que trocara a cor.
adjetivação expressiva e abundante
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